11/09/15

No País Da Magia

A maior parte das pessoas, o que mais evidente faz é roer o seu duplo. Isto não é permitido no país dos Magos, somos severamente castigados, temos que retratar-nos o mais depressa possível.

Henri MIchaux

1899-1984

28/08/15

Um Beijo Dado Mais Tarde

"Apanhei uma pedra na vereda e arranhei-lhe a testa para aí fazer penetrar o que pensávamos e sentíamos (o nosso amor)."

"Esbatem-se as muitas sombras dentro desta sala, ficando a última a cantar sobre a lareira."

"A forma de dizer nada em amor."

"Deixar-se-á levar ao lado dos dias de maior esplendor."

"O Amante que lhe ensinou o canto, e o Amante que a ensinou a separar-se dele."

"Tudo o que nós percebemos com clareza e distintamente é verdadeiro."

"A vela tem um arco de violino perfeitamente definido, e acompanha a tarde dada a ler, e o esforço a ler; a vela tem uma presença humana ainda por definir, e acompanha o prazer de dar a ler, e o esforço de ler."

"Quem recebe olhos, recebe lágrimas."

"Eu aproximo-me deles, estou a subir por eles, e escrevo, no vazio deixado pelo espaço que os separa «o vazio do beijo»"

Maria Gabriela Llansol

1931-2008

27/03/15

Não pode haver livro mais belo

Queria decifrar as fábulas e os mitos que os Antigos nos legaram, nos quais os pintores e os escultores encontram um prazer sem fim e sem pensamento, queria decifrá-los como hieróglifos duma sabedoria secreta e inesgotável cujo sopro me parecia por vezes sentir como através de um véu.

( Hugo von Hofmannsthal, in "A Carta de Lorde Chandos", Ed. Relógio D'Água)

Hugo von Hofmannsthal

1874-1929

13/03/15

"A Irmã Santo Suspiro"

1945
A música tonitruante difundida pelo gramofone esvaziava-a das suas capacidades críticas e reduzia-a à condição de robô magnetizado num campo de concentração onde não havia lugar para gestos rebeldes. Na véspera da festa, o dia seguinte apresentou-se-lhe sob perspectivas tão grotescas que analisou várias hipóteses de fuga, todas falíveis excepto o suicídio, que, como aluna de um colégio católico, prontamente se apressou a descartar.

(Teresa Veiga, in "Gente Melancolicamente Louca", Ed. Tinta-da-China)

02/03/15

As Necessidades da Alma

O risco

O risco é uma necessidade essencial da alma. A sua ausência suscita uma espécie de tédio que paralisa quase tanto como o medo, embora de uma forma diferente. Por outro lado, há situações que, ao implicarem uma angústia difusa sem riscos precisos, transmitem as duas enfermidades ao mesmo tempo.
O risco é um perigo que provoca uma reacção reflectida, quer dizer, que não ultrapassa os recursos da alma a ponto de a esmagar sob o medo. Em certos casos, inclui uma parte de jogo; noutras ocasiões, constitui o maior estímulo possível, quando uma obrigação concreta impele o homem a fazer-lhe frente.
A protecção dos homens contra o medo e o terror não implica a supressão do risco; pelo contrário, implica a presença permanente de uma certa quantidade de risco em todos os aspectos da vida social, pois a ausência de risco enfraquece a coragem a ponto de deixar a alma, se isso acontecer, sem a menor defesa interior contra o medo. É necessário apenas que o risco se apresente em condições tais que não se transforme em sentimento de fatalidade.


[Simone Weil, in "O Enraizamento", Ed. Relógio D'Água]

Simone Weil

1909 - 1943

27/02/15

Blind Light

12.
em 1999 vi uma exposição no centro cultural hélio oiticica
lembro da luz que fazia naquela tarde
lembro da luz que entrava por uma janela no segundo andar
e transformava a sala de
exposição
lembro dos mapas atravessando toda a sala
os mapas espalhados sobre colchões
um colchão ao lado do outro colchão
lembro de sair de lá
e caminhar pelo centro do rio
rua luís de camões avenida passos
lembro da luz que fazia naquela tarde
blind light

13.
entrar no espaço interior equivale a sair?

14.
de que maneira uma tradução
quando entra na língua de chegada
pode deslocar o corpo do que sescreve ali
e refazer a roda de leitura e produção?
de que maneira um poeta escrevendo na mesma língua
como é o caso da adília lopes
pode entrar no corpo da literatura
e ser lido como tradução?


[ Marília Garcia, in "Um Teste de Resistores", Ed. Mariposa Azual]

Marília Garcia

1979

24/02/15

Melancolia - Um Fragmento

Encostada à parede mais larga de um convento que se abatia,
Onde ruinosas heras amparavam a escarpa das ruínas -
De braços cruzados envolvendo a sua mortalha esfarrapada,
A melancolia fizera-a meditar até adormecer.
Os fetos comprimiam-se debaixo do seu cabelo,
A língua verde-escura da serpente ali se encontrava;
E silenciosamente como passara lânguida e serena brisa do mar,
Agitando-se, a folhagem longa e delgada curvou-se sobre o seu rosto.

O rosto pálido enrubesceu: o seu olhar impaciente
Resplandeceu eloquente em sono! Intimamente elaborados,
Sons imperfeitos os seus lábios movendo-se abandonaram,
E a sua fronte inclinada ocupou-se de agitado pensamento.
Estranho era o sonho - 


[ Trad: Cecília Rego Pinheiro , in "Rosa do Mundo", Ed. Assírio & Alvim ]

Samuel Taylor Coleridge

1772 - 1834

06/02/15

"Passagens, Mudanças De Voz"


A Primeira Manhã

O crepúsculo da manhã nascente sopra o esbraseamento
ténue e branco
em voo na linha do horizonte.
E por sobre límpidas
palidíssimas as luzes urbanas, acendem os espelhos
das salinas: quatro águas que estremecem  a manhã.
Por trás da casa atrás de nós o húmido marulho
de pássaros frágeis que destecem a sombra.
A teu lado o corpo de quem te convida
à manhã do mundo.

Manuel Gusmão

1945

30/01/15

Cenografia

"Desenhar Nuvens"

"Levei quase 30 anos a conseguir cruzar pintura com cenografia. Caminhava com as duas práticas, em simultâneo, mas sem nunca as deixar aparecer contaminadas. Era um exercício secreto. Creio que estaria, por detrás, um respeito exagerado pela pintura e os meu ídolos. Também uma certa postura contra a cenografia clássica e ilustrativa."

José Manuel Castanheira

1952

23/01/15

As Contadoras De Histórias

"A Menina Feia bebe uns copos, confraterniza com amigos e colegas de ambos os sexos, mas não ousa intimidades, até nem lhe apetece. Apetece-lhe Ele, lá isso! Depois nem isso. Depois nem copos, tem vergonha, não quer que Ele se aperceba do exutório, ela também tem seu orgulho."


Fernanda Botelho

1926-2007